A Doença de Machado-Joseph (DMJ), também conhecida como Ataxia Espinocerebelar Tipo 3, é um distúrbio neurológico hereditário raro, globalmente. Sua prevalência está concentrada no Brasil e em Portugal. Esta condição progressiva é causada por uma mutação genética que leva à degeneração de certas áreas do cérebro, impactando o controle muscular e o movimento.
Este guia apresenta informações para pacientes e seus familiares.
A Doença de Machado Joseph (DMJ) é uma doença neurodegenerativa progressiva e hereditária. Isso significa que ela afeta o sistema nervoso, causando uma perda gradual e irreversível de células nervosas em áreas importantes do cérebro, como o cerebelo e o tronco cerebral. Essa degeneração leva a uma série de sintomas que comprometem a coordenação motora, o equilíbrio e diversas outras funções. É uma condição que se manifesta de forma variável, mas que tem um impacto significativo na qualidade de vida dos indivíduos afetados e de suas famílias.
Além de Doença de Machado Joseph, ela é frequentemente chamada de Ataxia Espinocerebelar Tipo 3 (SCA3). A denominação “Machado Joseph” vem dos nomes das famílias (Machado e Joseph) de origem portuguesa que foram as primeiras a serem extensivamente estudadas nos Estados Unidos, onde a doença foi inicialmente bem caracterizada. O termo “doença do tropeção” é um apelido popular em algumas regiões, especialmente nos Açores, que reflete um dos sintomas mais marcantes: a dificuldade na marcha e o desequilíbrio.
Sim, a DMJ é globalmente classificada como uma doença rara. No entanto, sua prevalência varia drasticamente em diferentes regiões devido ao que chamamos de efeito fundador genético. Isso significa que, em certas populações, um ancestral comum portador da mutação original a transmitiu a muitos descendentes, levando a uma alta concentração de casos.
Essa distribuição peculiar destaca a importância do histórico familiar e genético na compreensão da doença.
Sim, a DMJ tem uma causa exclusivamente genética. Ela é provocada por uma alteração (mutação) em um único gene, o que a classifica como uma doença monogênica. Essa mutação faz com que uma proteína específica, chamada ataxina-3, seja produzida de forma alterada, levando à degeneração das células nervosas.
O gene responsável pela Doença de Machado Joseph é o gene ATXN3. Ele está localizado no cromossomo 14.
As “repetições CAG” são uma sequência específica de três nucleotídeos (Citosina, Adenina e Guanina) que se repete dentro do gene ATXN3. Em pessoas saudáveis, essa sequência de CAG se repete um certo número de vezes (geralmente entre 12 e 44). No entanto, em pessoas com DMJ, essa sequência está expandida, ou seja, se repete um número excessivo de vezes (geralmente acima de 52 repetições).
Essa expansão do CAG faz com que a proteína ataxina-3 produzida pelo gene seja mais longa e instável. Essa proteína anormal tende a se dobrar incorretamente e a formar aglomerados (inclusões) dentro das células nervosas, principalmente no cerebelo, tronco cerebral e medula espinhal. Esses aglomerados são tóxicos e levam à disfunção e morte dessas células, causando os sintomas da DMJ.
Como afetam a doença: O número de repetições CAG tem uma correlação direta com a doença:
A DMJ é herdada de forma autossômica dominante. Isso significa que:
Cada filho de um pai ou mãe afetado pela DMJ tem 50% de chance de herdar o gene mutado e, consequentemente, desenvolver a doença. Os outros 50% de chance são de herdar a cópia não mutada do gene e não ter a doença, nem transmiti-la aos seus próprios filhos.
A antecipação genética é um fenômeno observado em algumas doenças genéticas, incluindo a DMJ. Ela significa que, nas gerações sucessivas de uma mesma família, a doença tende a se manifestar mais cedo e/ou com sintomas mais graves.
Na DMJ, a antecipação ocorre porque o número de repetições CAG no gene ATXN3 pode aumentar a cada geração, principalmente quando a transmissão se dá pelo pai. Quanto mais repetições, mais cedo e mais severa a doença. Assim, é comum observar que um avô pode ter tido sintomas na velhice, seu filho na meia-idade, e o neto na juventude, por exemplo.
Embora a DMJ seja uma doença hereditária de padrão dominante, em casos muito raros, pode parecer não haver um histórico familiar claro. Isso pode ocorrer por algumas razões:
Mesmo nesses cenários, o diagnóstico confirmado por teste genético revela a mutação.
A causa da DMJ é genética, e não há evidências científicas de que fatores ambientais (como dieta, estilo de vida, exposição a toxinas) possam causar a doença em uma pessoa que não possui a mutação genética.
No entanto, alguns fatores ambientais ou do estilo de vida podem, teoricamente, influenciar a progressão ou a manifestação dos sintomas em indivíduos já afetados pela DMJ, embora a pesquisa ainda seja limitada:
É crucial enfatizar que esses fatores não alteram a causa genética subjacente da DMJ, mas podem ser importantes para o manejo da saúde geral e da qualidade de vida.
A Doença de Machado Joseph (DMJ) se manifesta de forma variável entre os indivíduos, mesmo dentro da mesma família, e seus sintomas progridem de maneira gradual ao longo do tempo.
Sim, a gravidade e a manifestação dos sintomas da DMJ variam consideravelmente entre os indivíduos. Isso ocorre principalmente devido a dois fatores-chave:
Os primeiros sintomas da DMJ são variáveis e dependem do subtipo da doença e do número de repetições CAG, que influenciam a idade de início. Geralmente, os sintomas começam na idade adulta, entre os 30 e 50 anos, mas podem aparecer desde a infância até a velhice.
Os sintomas iniciais mais comuns estão relacionados à coordenação motora e ao equilíbrio, como:
Os sintomas motores são a marca registrada da DMJ e tendem a piorar progressivamente:
A DMJ é uma doença complexa que pode afetar diversas outras funções além dos movimentos:
A progressão da DMJ é gradual e variável de pessoa para pessoa, mas geralmente os sintomas motores pioram lentamente ao longo dos anos ou décadas.
A expectativa de vida de pessoas com DMJ varia significativamente, dependendo da idade de início dos sintomas, da gravidade e da velocidade de progressão da doença, bem como da qualidade do manejo das complicações. Embora não haja uma expectativa de vida fixa, as complicações respiratórias (como pneumonias por aspiração, resultado da disfagia) e as complicações nutricionais são as principais causas de morbidade e mortalidade. Um manejo multidisciplinar e proativo pode ajudar a prolongar a vida e melhorar a qualidade, mas a doença é, infelizmente, progressiva e pode reduzir a longevidade.
Sim, a DMJ pode ser classificada em diferentes tipos (ou fenótipos) com base principalmente na idade de início e na predominância de certos sintomas:
É importante lembrar que essa classificação é uma diretriz e pode haver sobreposição de sintomas. A manifestação exata da doença é única para cada indivíduo.
No blog da Glia, você encontra mais informações sobre a DMJ no seguintes artigos:
Vivendo com a Doença de Machado Joseph
Aconselhamento Genético na Doença de Machado Joseph
O diagnóstico da DMJ geralmente envolve uma combinação de avaliação clínica detalhada, histórico familiar e exames complementares, sendo o teste genético o método definitivo de confirmação.
Sim, o teste genético é a única forma de confirmar definitivamente o diagnóstico de Doença de Machado Joseph. Os exames clínicos e de imagem podem levantar a suspeita e descartar outras condições, mas apenas a identificação da mutação (expansão do CAG no gene ATXN3) por meio do teste genético pode assegurar o diagnóstico.
Diferenciar a DMJ de outras doenças neurológicas pode ser desafiador, pois muitos sintomas (como ataxia) são comuns a várias condições. O neurologista utiliza uma abordagem sistemática:
Um diagnóstico precoce da DMJ, embora não altere o curso da doença (já que não há cura ainda), é de fundamental importância por diversas razões:
O teste genético para DMJ geralmente é solicitado por um neurologista ou geneticista. Pode ser realizado em laboratórios especializados em genética molecular, que podem ser encontrados em grandes centros urbanos ou universidades. O médico responsável pelo caso poderá indicar os laboratórios de referência e os procedimentos para a coleta da amostra de sangue. Em alguns casos, dependendo do plano de saúde ou sistema público, o custo do exame pode ser coberto.
Sim, para casais com histórico familiar de DMJ, existem opções para o planejamento familiar:
Ambas as opções envolvem discussões éticas e emocionais importantes e devem ser abordadas com a orientação de geneticistas e psicólogos.
Atualmente, não há cura para a Doença de Machado Joseph (DMJ). A pesquisa científica avança continuamente, e há várias linhas de investigação promissoras para um tratamento modificador da doença, mas, por enquanto, o foco principal do tratamento é o manejo dos sintomas e a manutenção da melhor qualidade de vida possível para o paciente.
As opções de tratamento para a DMJ são focadas no manejo dos sintomas e na reabilitação, visando melhorar a funcionalidade e o bem-estar do paciente. A abordagem é sempre multidisciplinar, envolvendo diversos profissionais de saúde.
Sim, no estágio atual do conhecimento científico, o tratamento da DMJ é essencialmente sintomático. Isso significa que ele busca aliviar as manifestações da doença (como ataxia, disfagia, distonia, dor), mas não interrompe a progressão da degeneração neurológica subjacente. No entanto, o manejo sintomático e a reabilitação são cruciais para preservar a independência e a qualidade de vida.
Uma equipe multidisciplinar é fundamental para o manejo abrangente da DMJ. Ela geralmente inclui:
As terapias não medicamentosas são a base do tratamento da DMJ:
Não há medicamentos que curem a DMJ ou parem sua progressão. No entanto, alguns medicamentos podem ser usados para aliviar sintomas específicos:
A prescrição e o ajuste desses medicamentos devem ser sempre feitos pelo médico neurologista.
A disfagia é uma complicação séria da DMJ, pois aumenta o risco de engasgos, desnutrição e pneumonia por aspiração. O manejo é crucial e envolve:
Não, de forma alguma. A Doença de Machado Joseph não é contagiosa. Ela é uma condição puramente genética, ou seja, é causada por uma alteração no material genético de uma pessoa e só pode ser transmitida de pais para filhos através da herança genética. Você não pode “pegar” DMJ de outra pessoa por contato físico, compartilhamento de objetos ou qualquer outra forma de transmissão.
O Código Internacional de Doenças (CID) para a Doença de Machado Joseph (DMJ), também conhecida como Ataxia Espinocerebelar Tipo 3 (SCA3), é G11.1.
Este código G11.1 refere-se especificamente a:
Nota importante: Embora SCA3 (Doença de Machado Joseph) seja um tipo específico de ataxia espinocerebelar, na classificação ICD-10, o código mais comumente utilizado que engloba as ataxias cerebelares hereditárias é o G11.1. Não existe um código CID-10 exclusivo e específico apenas para “Machado-Joseph Disease” ou “Ataxia Espinocerebelar Tipo 3 (SCA3)”, mas o G11.1 é o que melhor se enquadra na descrição de ataxia cerebelar hereditária.
A jornada com a Doença de Machado Joseph (DMJ) é complexa e desafiadora, e o conhecimento, o apoio e o cuidado multidisciplinar são pilares essenciais para otimizar a qualidade de vida. Desde a compreensão de suas raízes genéticas e manifestações sintomáticas, passando pelas nuances do diagnóstico e das estratégias de manejo, até as perspectivas promissoras da pesquisa científica, cada informação compartilhada visa a empoderar pacientes, familiares e cuidadores.
REFERÊNCIAS:
PUBMED:
Maiorana N, Guidetti M, Dini M, Priori A, Ferrucci R. Cerebellar tDCS as Therapy for Cerebellar Ataxias. Cerebellum. 2022 Oct;21(5):755-761. doi: 10.1007/s12311-021-01357-1. Epub 2022 Jan 21. PMID: 35060077.
Li Z, Du X, Yang Y, Zhang L, Chen P, Kan Y, Pan J, Lin L, Liu D, Jiang X, Zhang CY, Pei Z, Chen X. Treatment of neurological pathology and inflammation in Machado-Joseph disease through in vivo self-assembled siRNA. Brain. 2025 Mar 6;148(3):817-832. doi: 10.1093/brain/awae304. PMID: 39315766; PMCID: PMC11884698.
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